De queijo a uísque, algumas preciosidades gastronômicas produzidas no estado encantaram o mundo e foram premiadas!
A história de Minas Gerais começa no século XVI, com as expedições de bandeirantes vindos de São Paulo, à procura de metais preciosos. Cerca de 200 anos depois, o estado viveu um período mais intenso dessa busca, com a Corrida do Ouro. No século seguinte, foi a vez do ciclo do café. Minas sempre foi um terreno repleto de tesouros – como seu próprio nome sugere. Porém, o mineiro, com um jeito desconfiado, sabe que nossa riqueza vai muito além do material. Um dos maiores tesouros está na nossa cozinha, compartilhada de geração em geração. Essa cultura rendeu vários frutos. Em 2019, a capital Belo Horizonte entrou para a lista de cidades criativas da Unesco, na categoria de gastronomia. Em competições internacionais, Minas tem feito bonito. Confira 10 produtos que levaram prêmios, desde os mais comuns, como a cachaça e o queijo, até novidades, como o gin e a geleia.
Quem passa próximo da Fazenda Santa Helena, em Maria da Fé, pode se espantar. Das seis da manhã às seis da tarde, os alto-falantes da plantação do Sul de Minas reproduzem sinfonias clássicas escritas por compositores como Chopin e Mozart. A ideia por trás da técnica veio de uma pesquisa feita por Rosana Chiavassa, proprietária do olival. “Na década de 1950, cientistas americanos e soviéticos pesquisaram como plantas reagem a estímulos externos, e a música clássica apresentou indícios como uma boa influência”, conta a advogada, que possui um pé de oliveira no seu escritório. Coincidência ou não, Rosana viu o método render alguns frutos. A primeira safra da fazenda sob a sua tutela veio com dois meses de antecedência e foi a recordista em produção da região, com 21 toneladas. Já a segunda remessa alcançou renome internacional. O azeite Monasto foi premiado na categoria delicado do concurso internacional de Nova York e no torneio de Atenas, com o duplo ouro. “Nome, embalagem, produto. Tudo foi pensado para mostrar que nem todo azeite é igual”, conta Rosana. O Monasto pode ser encontrado em empórios de Belo Horizonte, mas quem está à procura de um exemplar terá de esperar um pouco, pois já foram vendidas todas as unidades da safra premiada. O melhor a se fazer é esperar pela próxima colheita, e torcer para que a música faça efeito.
A capital nacional da cachaça também faz bonito mundo afora. Produzida há 40 anos em Salinas, a Seleta Ouro conta com um currículo recheado de prêmios. Após vencer dezenas de vezes em concursos nacionais, a cachaça tirou uma folga, até voltar aos torneios em 2018. De lá para cá, foram cinco prêmios internacionais, sendo que um dos mais especiais veio em 2021, no Concurso Internacional de Derivados de cana de açúcar. “Vários tipos de runs estavam concorrendo, alguns custando mais de 100 dólares a garrafa, e a Seleta Ouro levou o prêmio de melhor da América Latina”, conta o diretor executivo, Gilberto Soares. O sucesso por trás dos anos a fio acumulando medalhas, mostrando que o ouro não fica restrito ao nome, está na tradição da receita. “Mantemos o alambique de cobre, o fermento natural e o envelhecimento na umburana, acompanhando pela nossa equipe de especialistas”, diz Gilberto. “As premiações são consequência do nosso trabalho.” Outro passo na produção da Seleta que os diretores não abrem mão está no processo de colheita da cana, feito manualmente até hoje. Essa escolha garante a retirada das partes certas da planta no alambique, responsável por uma produção de aproximadamente 2 milhões de litros por ano.
Seja para começar o dia, dar uma energia a mais no trabalho ou para oferecer a uma visita, o “cafezinho” é um pilar no dia a dia dos mineiros. E em uma plantação no Vale do Jequitinhonha, está um grão que vale ouro. A Fazenda Primavera detém até hoje o recorde do café mais caro do mundo. Em 2018, as sacas do grão, da espécie Geisha, produzida no local foram arrematadas em um leilão pelo valor de 19 mil dólares. “Ele tem esse nome pois foi descoberto em um vilarejo chamado Gesha, na Etiópia”, conta o empresário e responsável pela fazenda, Leo Montesanto. “É um café que tem uma produção menor e precisa ser colhido à mão, selecionando apenas os grãos certos”. E o cuidado não termina aí. Após essa fase, há outras 50 etapas entre a colheita e o envase do café. “Anualmente, produzimos 100 sacas. Mas elas não podem ir para o público se não tiverem a qualidade e o aroma do Geisha”, conta Leo. A exigência tem o seu motivo. No ano da venda das sacas recordistas, os grãos da Fazenda Primavera obtiveram a pontuação de 93,89 no Cup of Excellence, concurso internacional do produto. “Quando se ganha o torneio, os olhos do mundo inteiro se viram para você. Mas também queremos que o nosso produto seja cada vez mais apreciado aqui”. O café da Fazenda Primavera é vendido na loja eletrônica Coffee + , tanto em grão quanto já pronto para o consumo.
A capital dos botecos também não deixa de brilhar em competições internacionais de cerveja. Os rótulos que chamam a atenção dos jurados, porém, vão além da tradicional Pilsen, a tal “loira” que é presença confirmada nos bares da capital, principalmente nos dias mais quentes do ano. Com 25 anos de tradição no mercado, a Albanos é uma das referências quando o assunto é cerveja em BH. Em 2018, a marca conseguiu três premiações na etapa nacional do World Beer Awards, sendo uma de prata, na categoria de cervejas com ervas e especiarias, e outra de ouro, entre as Lager. Mas o topo do pódio foi conquistado pela Albanos American Brown Ale, premiada como a melhor na categoria do país. O título levou a cerveja, que se destaca por combinar o sabor de castanhas com um aromas de frutas cítricas tropicais, como manga e maracujá, até a fase internacional do torneio, sediado em Londres. Outro rótulo premiado é a Albanos Mountain Ipa, que também aposta nos aromas tropicais, como goiaba e maracujá, medalhista de bronze na Copa Tayrona em 2019, sediada na Colômbia.
Londres é a terra da geléia. E não é de qualquer tipo, pois há certos pré-requisitos para que os britânicos reconheçam algumas receitas. “Se não tiver tangerina, limão ou laranja, enfim, um toque de azedo, não pode ser chamado de marmalade”, conta o sócio da Expressar Gourmet, Bruno Bethônico. Com linhas de geleias, antepastos e condimentos, a empresa mineira criada em 2018 decidiu, em 2021, enviar um exemplar da geleia de laranja suave com especiarias ao torneio britânico Marmalade Awards. “É uma receita adaptada da minha avó, combinando pêra-rio e Bahia, duas espécies que não são conhecidas na Inglaterra. Por isso, laranja suave”, conta Bruno, que já estava feliz só de participar. Ao todo, mais de 3 mil amostras de 30 países foram enviadas para o evento. E entre essa gama de concorrentes, o pote da Expressar conquistou uma vaga na lista dos produtos recomendados. “A complexidade do sabor e a doçura foram dois componentes elogiados pelos jurados. Esse é um título que apenas outra geleia, feita no interior de São Paulo, já tinha conquistado”, diz Bruno, que recomenda a harmonização do produto com vários tipos de pratos, de queijos à carne vermelha. As geleias da Expressar podem ser encontradas em empórios ou nas unidades do Verdemar.
Uma das sobremesas mais amadas pelos mineiros virou pauta na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Em maio de 2021, foi aprovado em primeiro turno no plenário o projeto de lei que reconhece como de relevante interesse cultural a fabricação do doce de leite Viçosa. A iguaria é produzida há mais de quatro décadas no Laticínio Escola – Produtos Viçosa. Criado há 50 anos como um projeto de extensão da universidade federal da cidade da Zona da Mata, o doce de leite começou como uma forma dos alunos desenvolverem as suas habilidades com a produção das vacas que pertenciam à fazenda da faculdade. Com o tempo e a aceitação entre os pares, a universidade passou a cogitar modos de levar o excedente da produção das aulas até as prateleiras. “O diferencial do produto não guarda segredo, está impresso em sua própria embalagem, que descreve o processo de industrialização sem a adição de amido de milho e com o mínimo de conservantes”, diz o professor Rodrigo Gava, diretor presidente da Fundação Artur Bernardes, ligada ao Laticínio Escola. Mesmo com a simplicidade da receita, mantida pelos integrantes do projeto ao longo dos anos para não perder o lado artesanal, o sabor faz sucesso entre os jurados. Ao todo, só de premiações no Concurso Nacional de Produtos Lácteos, o doce de leite Viçosa acumula dez visitas ao ponto mais alto do pódio.
O gin é um produto que teve ascensão meteórica. Apesar de ter figurado nas prateleiras durante anos, uma consulta ao Google Trends, ferramenta que aponta quantas vezes um termo foi procurado no buscador mais famoso da internet, mostra um crescimento expressivo nas buscas para drinques com gin desde o começo de 2019. E O’Gin, produzido na destilaria Don Luchesi, compartilha dessa ascensão. A bebida, que estreou no mercado em outubro do ano passado, já acumula 13 prêmios nacionais e internacionais. Um dos primeiros veio em dezembro de 2020, no International Spirit Awards, torneio britânico no qual são avaliados os mais diferentes tipos de destilados. “Nós queríamos ter certeza da qualidade do nosso gin London Dry, e o melhor jeito para isso é colocá-lo para disputar com os maiores do mercado”, conta a empresária Laiza Machado. “Hoje, somos o gin mais premiado do Brasil.” Feita com dez botânicos diferentes, tendo entre eles a mineiríssima ora-pro-nóbis, O’Gin passa por um processo de maturação que dura, pelo menos, um ciclo lunar, na destilaria. “O envasamento é feito nas noites de lua cheia.” É um processo peculiar, mas em time que está ganhando – e vem ganhando bastante – não se mexe.
Bolos, broas, pães, massas, biscoitos, com goiabada, geleia ou puro com café. Não é segredo para ninguém que os mineiros são extremamente chegados em um queijo. No mundial da categoria realizado na França, no entanto, um diamante feito na tradicional Serra da Canastra conquistou o paladar de jurados do mundo todo. O Santuário do Mergulhão é um hotel-fazenda que também produz queijos. No local, todas as receitas são feitas com o leite das vacas que vivem no local, seguindo à risca a regra do que compõe um queijo Canastra. “O queijo premiado no mundial é de maturação fungada, que dura até 90 dias”, conta Vicente Mello, que administra o Santuário ao lado da mulher, pertencente à terceira geração de produtores. “Uma picanha na churrasqueira deve ser selada, correto? A camada do mofo tem uma função similar, de isolar o queijo e mantê-lo cremoso por dentro”. O processo de produção também possui uma ligação direta com a terra do queijo: o micro-organismo responsável pela criação da camada é uma exclusividade da Serra da Canastra. “Fomos agraciados com o super ouro, prêmio dado somente aqueles que tiveram 100% de aproveitamento em todas as categorias avaliadas pelos jurados”, diz Vicente, com orgulho. As rodelas são feitas aos poucos e precisam ser encomendadas diretamente no hotel-fazenda, com entrega para todo o país.
Para o engenheiro de computação Edson Cardoso, a escolha pela caprinocultura veio como uma forma de aproveitar a área reduzida. “Em 2014, quando começamos, não tínhamos um espaço muito grande. Por isso, eu e minha esposa optamos por criar cabras”, conta o sócio do Rancho das Vertentes, que começou com apenas oito animais. Nos anos seguintes, o casal começou a investir cada vez mais no aprendizado sobre o processo de produção de queijos, tanto dentro quanto fora do Brasil. “Quando era criança, lembro de uma porção de produtos excelentes, que acabaram perdendo a qualidade com o tempo. Esse trabalho é uma forma de resgatar essa experiência”, conta. E em questão de qualidade, o Rancho das Vertentes chama atenção internacional. Premiado no torneio internacional de queijos da França, o Névoa Valençuai é feito com leite cru, envolto em uma fina camada de carvão mineral e maturado entre 25 e 30 dias, sempre acompanhado pelo olhar atento de Edson. “O nome veio da combinação do nosso Uai com o valençay, queijo produzido na França”. Feito sob encomenda pelo Rancho das Vertentes, o Névoa tem um sabor único e uma textura que derrete na boca, qualidades que deram a ele a medalha de ouro no torneio, mesmo sendo o estrangeiro entre os queijos valençay.
A bebida tradicional escocesa é uma fonte de fascínio entre os Lamas. Gerente de marketing na destilaria que leva o nome da família, Luciana Lamas viu a paixão por produzir um uísque perfeito crescer entre o pai e os tios. “O início foi uma aventura. Eles procuraram e até viajaram para a Escócia, para aprender diretamente na melhor fonte possível”, lembra. Fundada em 2019, a empresa não precisou envelhecer no mercado para começar a colecionar premiações. Em agosto de 2021, a Destilaria Lamas foi a única em toda a América do Sul a conquistar medalhas, sendo duas de ouro e outra prata, no The World Whisky Masters, torneio internacional da categoria. Batizado de Verus, o uísque premiado com o ouro é envelhecido em dois barris diferentes: um de carvalho americano que havia condicionado Bourbon anteriormente e outro de carvalho europeu, que já guardou vinho licoroso estilo Porto. Para os jurados, o aroma de biscoito e caramelo e a sensação aveludada na boca foram dois pontos fortes na bebida. Já o Caburé, outro medalhista de ouro, mostrou aos europeus uma outra forma de fazer uísque. Ele é envelhecido em três barris diferentes, sendo um deles, feito de bálsamo, madeira brasileira. Para os escoceses, apenas o carvalho pode ser usado na maturação. “Nós já fomos contatados por empresários estrangeiros interessados em aprender mais sobre as nossas madeiras e a influência que elas exercem no uísque para investirem nesse segmento”, revela Luciana Lamas.
Fonte: Revista Encontro
Reportagem: Gabriel Marques